
A época do Verão é propícia a uma quebra de hábitos, encontro de velhos ou novos amigos e, se possível, distanciação do quotidiano. É também propícia à reflexão e observação das movimentações coloridas, profusamente espalhadas por todo o lado.
Durante um tempo, sem desligar, pus-me calmamente a observar, sobretudo realidades diferentes, comparando e reflectindo. Essa distanciação ajuda a relativizar preocupações, permitindo um outro alento, uma espécie de pausa encorajadora, mesmo quando a decepção que sentimos face ao que gostaríamos de ver diferente parece mais insolúvel!
Relativamente a Almeida, fui seguindo a comunicação digital, quando viável, mantendo o cordão de atenção. E assim fui tendo a percepção de um ambiente tenso, cindido num vicioso amiguismo e revanchismo que continua a verificar-se e que, previsivelmente, se acentuará nos tempos mais chegados, com o aproximar de eleições.
Optei por não intervir em qualquer debate, à procura do sentir possível que transparece dos comentários, na maioria anónimos face às circunstâncias nepotismo e intimidação, onde não faltam as habituais operações de cosmética, certames mediatizados por quem mais pode no momento, inaugurações em catadupa, cartazes com mensagens patéticas, cartazes de oposição derrubados, silêncio dos inocentes, silêncio dos coniventes, silêncio dos que fingem não ver, silêncio dos que não querem ver… e quanto mais observo, mais me convenço da inteireza de indignação daqueles que sentem que Almeida carece de melhor!
Agora como outrora, sempre que o cotejar pela manutenção de poder esteja em causa, mais se recorre a manobras de charme, para impressionar. Quanto à expressão da diferença de opinião, sobram as mossas, apesar do esforço de terraplanagem. Invoca-se o berço como que a marcar os ungidos, condenando os não crentes desta fé inventada, terrena e passageira. Mete dó a pouca conta em que têm a inteligência dos outros!
Por tudo isto, confirma-se que quanto mais fulminante foi o desengano com o actual executivo, mais espaço de maturação perante a dura realidade bebida, como muitos almeidenses, diariamente em taça de fel. Qualquer discordância e logo passam de suspeitos a proscritos. É este maniqueísmo de “quem não é por mim é contra mim” que fui sentindo cada vez mais entranhado. Apesar de não ser recente o contacto com esta terra, que sempre conheci um tanto desperdiçada e alvo de interesses mais ou menos inefáveis, nunca a vi com um cariz tão profundamente inquinado como nestes últimos anos!
Tento então vislumbrar a eventualidade de manutenção deste tipo de ambiente em Almeida, depois das próximas eleições autárquicas. E percorre-me uma sombra de apreensão perante tal cenário. Desvanecido o verniz de alguma contenção estratégica, logo as garras se aguçariam para mais investidas. Não, desta vez não me refiro especificamente ao património físico, embora saiba que esse seria o primeiro a continuar a sofrer de fúria interventiva, até com dentes mais incisivos para projectos aparentemente postos em gaveta. Falo do património humano, de uma constante opressão que procura por todas as formas e meios definhar a alma almeidense. Falo não apenas de intimidações pela via judicial, mas também daquelas outras subterrâneas, toupeirescas, visando dividir os cidadãos. Falo daquela mesma sanha contra uma opinião discordante, quer vociferada aos microfones contra a chamada “crítica paralizadora”, quer a consentida por escrito, em tom despudoradamente ameaçador e com distorsão da contestação. Como se não bastassem as imposições, ainda é sonegada a indignação dos almeidenses. Nem quando se trata de um monumento ao 25 de Abril os habitantes podem ter voto na matéria quando, ironicamente, deveria funcionar como um símbolo de conquista de liberdade! Ou do (des)arranjo urbanístico que o pretende acompanhar, na sua Porta de entrada...
Aqui, sente-se bem a desenfreada autoridade de um par de técnicos habituados a impor e adivinha-se o triunfo de querer passar por cima de toda a contestação, com o beneplácito e patrocínio da tutela. Esta continua sem entender que é justamente um progresso equilibrado, em respeito pela vontade colectiva e espírito do lugar, e não um simulacro dele em projectos de modernização. Enfim!
Aos poucos, parece que aos almeidenses foi sendo vedado o direito de decidir algo por vontade própria! É certo que não é só de agora. Mas agravou-se. Entranhou-se o medo, a hipocrisia e a apatia, como tentativas de sobrevivência, o que só favorece a prepotência e impede um desenvolvimento consciente e participativo. Recordo o simbolismo do desespero do herói Louvadeus da obra “Quando os lobos uivam”, de Aquilino Ribeiro, recriada numa série filmada há uns anos precisamente em Almeida. (Hoje dificilmente a escolha de um dos principais cenários recairia aqui devido aos diversos enxertos descontextualizados no centro histórico, incluindo o tupperware posto defronte à Câmara…) O protagonista prefere imolar-se pelo fogo na sua própria terra, a ver a mesma e os seus direitos ancestrais ficarem nas mãos rapinadoras do negócio forçado, com todas as promessas de bem-estar e desenvolvimento, que ele sente falsas. Aquelas cenas finais sobre as Portas de Santo António são disso bem eloquentes!
Em 2009, a prova de fogo será enfrentar este cerco atrofiador. Unidos os almeidenses nesse objectivo estarão mais preparados para o esforço que se segue. Nada poderia ser como agora, não apenas pela maturidade demonstrada, mas porque fica claro que nenhuma equipa sensata e inteligente ousará continuar a sustentar-se e a ir tão longe neste desprezo pelo sentir dos munícipes. Na resistência de um povo o que mais conta é a determinação e a participação colectiva. Sobre isso, Almeida pode ir buscar exemplos dignos à sua memória e envolvimento histórico: Napoleão, o grande estratega, subestimou a força das pequenas guerrilhas e a inércia de um exército anglo-luso que aguardava o momento oportuno para intervir. Ninguém acudiu à Praça-forte de Almeida, que perdeu o seu castelo e caiu. Foi usada como uma peça no xadrez do jogo pelo poder. Mas o invasor acabaria expulso do país, com uma derrota que se multiplicaria por outras por toda a Europa, onde não faltaram os soldados desta guarnição beirã.
Murcho pelo tempo, o grito “Alma até Almeida!”, parece agora reduzido a uma fórmula de despedida. Sem ver que em tempos de competição económica global, é leviano acreditar que alguém olhará pelos interesses de uma terra se não forem os seus próprios habitantes. Por muito tentador que pareça, não serão quaisquer candidaturas a resolver os problemas e dificuldades do concelho. Só uma boa aplicação dos projectos com o envolvimento de todos. Há exemplos do que tem acontecido noutros lugares que o comprovam. E porque há decisões que têm de ser tomadas na hora certa, é cada vez mais inadiável que os almeidenses recusem permanecer assim divididos e humilhados!