19 fevereiro, 2014

Carta ao pai...até Abril, Fernando...



Ontem, o meu pai foi-se embora.

Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos.
A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país.
Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira.
Ontem, quando me deitei, senti-me triste.
E, ao mesmo tempo, senti-me feliz.
Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência).
Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo.
Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida.
Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música.
Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece.

Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha.
Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela.

A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país.
A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias.
A terceira foi a esperança.

E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos.

Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar.
Não queremos mudar.
Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora.
Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios.
Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito.

Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.

João Tordo
19.02.2014

 
 
 
 

06 fevereiro, 2014

Desertificação do interior...e a saga continua...


A ministra da Justiça revelou esta quinta-feira que o novo mapa judiciário prevê o encerramento de 20 tribunais.

Os tribunais que vão encerrar estão localizados em Sever do Vouga, Penela, Portel, Monchique, Fornos de Algodres, Mêda, Bombarral, Cadaval, Castelo de Vide, Ferreira do Zêzere, Mação, Sines, Paredes de Coura, Boticas, Murça, Sabrosa, Mesão Frio, Armamar, Resende e Tabuaço.

...Almeida escapou mais uma vez...

 
A Bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, considera que o novo mapa judiciário, que prevê o fecho de 20 tribunais, "é uma derrota para o país, é uma derrota para a cidadania e é uma derrota para os princípios e para os valores da República".

A questão, acrescenta a bastonária, é onde vão os cidadãos "dirimir os seus conflitos". "Vão fazer justiça pelas suas próprias mãos?", pergunta.

"Não havendo tribunais, não tendo possibilidade económica para se deslocar distâncias que muitas vezes têm que ser percorridas através de táxi porque não há outros transportes públicos, com custas judiciais gravíssimas e onerosas, como é que o cidadão vai conseguir?", prosseguiu a bastonária.
Segundo Elina Fraga, encerrar 20 tribunais vai permitir poupar apenas 500 mil euros, uma verba que considera irrisória.

Entretanto a saga continua e não se prevê que pare.
Senão vejamos...

Com base num despacho da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 06 de Setembro de 2013, com os mapas de pessoal dos serviços de Finanças, com a indicação "do número de postos de trabalho de que cada um carece para o desenvolvimento das suas atividades" e correspondentes à categoria de técnico de administração tributária adjunto, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, concluiu que quase metade das representações, a nível nacional, podem fechar ".
 

Entre as quais está a Repartição de Finanças da Vila de Almeida.

 



...e entretanto nós e as entidades que deviam defender os nossos interesses continuamos a dar milho aos pombos e a…assobiar para o ar…até que o interior não seja mais que um deserto…talvez um parque zoológico e…os macacos sejamos nós…para turista ver…

…e entretanto os homens bons continuam em silêncio ou no conforto do sofá…
 
 João Neves



 

01 fevereiro, 2014

…tu gostas de mim?...


…tu gostas de mim?...
...quantas vezes ouvi?...

…algumas vezes…é bonito ouvir-se e responder com o coração nas mãos e um sorriso nos lábios…

…mas quando esta mesma pergunta é feita com uma serenidade encantadora e arrepiante… por minha Mãe…a resposta só podem ser lágrimas acompanhadas por um abraço de ternura…
…quando esta pergunta é feita pela minha Zézinha…já com um longo caminho percorrido da sua longa estrada…com o seu rosto marcado por rugas mas com aquele sorriso luminoso…é…terrivelmente marcante…
…tu gostas de mim, filho?...
…é marcante…doloroso…depois da partida...fica sempre um sentimento de…remorso…sim de remorso...

Rio Limpopo - Moçambique


…não retribuí todo o carinho e amor que a Zézinha…me ofereceu até ao dia da sua partida…

…é bonito ver os meus filhos abraçarem com ternura a sua Mãe…

…hoje?...hoje queria voltar para os braços de minha Mãe…