17 novembro, 2008

ERA UMA VEZ...

Era uma vez um reino, não muito longe, apenas distante no tempo, cuja corte gostava muito de festas. As cortes sempre gostaram de festas, entenda-se. Seja porque a governação, sem elas, é uma tremenda chatice, seja porque impressionam o povo que acorre a aplaudir os cortejos a passar, seja porque os folguedos também ajudam a distrair dos problemas e com isso toda a gente parece mais feliz, ou simplesmente porque a realização de festas são sinal de abundância – ou pelo menos é o que se julga…

O povo, a princípio, até apreciava ver aquela gente toda animada que vinha de longe só para vir visitar aquele reino, mas quando a festa acabava, começou a verificar que afinal pouco mais lá ficava que os desperdícios deixados na pressa da partida, que no dia seguinte tudo voltava a ser monótono e vazio, que naquela terra já nenhum outro remédio parecia haver senão esperar pela festa seguinte em que tudo espevitava mas nenhum sortilégio efectivamente melhorava aquele triste viver... e começou a desesperar.

Foi então que surgiram alguns murmúrios de descontentamento. Mas como não passavam de murmúrios, coisa que sempre houve em todas as terras, ninguém ligou muito. Muito menos o rei. Até porque as pessoas não se atreviam a falar mais alto, com medo das orelhas atentas que as iam denunciar e, por isso, as festas foram continuando, cada vez mais animadas… segundo o que se contava.

Entretanto, como festas combinam com espaços enfeitados, não tardou a concluir-se que havia que remodelar todas as salas antigas do palácio, jardins e arredores, convocando-se os conselheiros, com ordens de chamar outros mais reputados, de forma a apresentarem propostas, planos e ideias, para fazer cumprir uma promessa do rei de que haveria de tornar aquele reino o mais famoso de todas as terras próximas e distantes.

Começou então também a lufa-lufa de obras e arranjos, até importação de estátuas, parecendo que o dinheiro jorrava, enquanto o povo, atordoado pelas novidades que surgiam todos os dias, se limitava a coçar a cabeça, não vendo quem é que ia pagar aqueles exageros… embora desconfiando que, como de costume, acabaria por ser ele mesmo através dos seus tributos, sem ao menos sentir que isso iria contribuir em alguma coisa para melhorar a sua luta diária pela sobrevivência.

Porém, a corte pouco se preocupava com isso. Também, pensar nas necessidades do povo não é propriamente prioridade de uma corte, nunca o foi, o importante é “trazê-los pela corda” e “não arrebitarem demasiado cabelo”, comentava-se nos salões, rindo-se uns com os outros. Quando algumas vozes mais indignadas se levantaram, logo o rei as condenou, banindo-as da sua presença e, assim, a maioria foi preferindo o silêncio amordaçado, enquanto outras optaram voluntariamente pelo risco de serem proscritas, passando a enviar os seus protestos por pássaros a voar, sabendo que irão sempre ter a algum lado, ou que há sempre um viajante que acaba por reparar neles.

Por isso, subitamente, lembrando-se do episódio de uma rainha que foi decapitada pelo seu povo que não tinha pão (“Não têm pão? Comam brioches!”, terá comentado com natural frivolidade…), o rei reuniu de emergência a sua corte para, pelo sim pelo não, saber o que fazer a tantos pássaros indignados que começaram a incomodar por todo o lado. E a decisão que dali resultou foi, adivinhem se forem capazes, isso mesmo: que juntariam todos os barões para uma caçada aos pássaros, com o fito de tentar eliminar os vestígios dessa contestação.

O que aconteceu a seguir, ninguém sabe muito bem, pois o desfecho das histórias muitas vezes se perde na noite dos tempos… e cada um desenvolve a sua versão: “Quem conta um conto… acrescenta um ponto”, não é verdade?

- Mas ninguém duvida que com tanto pássaro a voar no céu, sempre algum ou outro atinge o seu destino, embora muitos possam ficar pelo caminho! Daí haver sempre a probabilidade de se cruzarem com um deles e assim poderem ouvir o final desta história de antigamente…

…Se bem que apenas para recordar esses tempos de outrora pois, apesar de continuarem a existir caçadas e caçadores, agora os reis já não governam assim. E qualquer semelhança desta história com a realidade actual, pelo menos em qualquer reino civilizado, não passa de pura imaginação para entreter um serão!

Por Maria Clarinda Moreira
Ilustrações de Adelchi Galloni