25 abril, 2010

...PORQUÊ ABRIL?...


Madrugada de 25 de Abril de 74, parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém:




"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado.
Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos.
Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos!
...De maneira que, quem quiser vir comigo...vamos para Lisboa e acabamos com isto...
...Quem for voluntário, sai e forma...
...Quem não quiser sair, fica aqui!"


Todos os 240 homens que ouviram estas palavras, ditas da forma serena mas firme, tão característica de Salgueiro Maia, formaram de imediato à sua frente.Depois seguíram para Lisboa e marcharam sobre a ditadura.




Salgueiro Maia, como se tornou conhecido, foi um dos distintos capitães do Exército Português que liderou as forças revolucionárias durante a Revolução dos Cravos, que marcou o final da ditadura. Filho de Francisco da Luz Maia, ferroviário, e de Francisca Silvéria Salgueiro, frequentou a escola primária em São Torcato, Coruche, mudando-se mais tarde para Tomar, vindo a concluír o ensino secundário no Liceu Nacional de Leiria, hoje Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo. Concluiu, mais tarde e já depois da revolução, a licenciatura em Ciências Políticas e Sociais, no ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.


Em Outubro de 1964, ingressa na Academia Militar, em Lisboa e, dois anos depois, apresenta-se na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, para frequentar o tirocínio.


Em 1968 é integrado na 9ª Companhia de Comandos, e parte para o Norte de Moçambique, em plena Guerra Colonial, cuja participação lhe valeu a promoção a Capitão, já em 1970. A Julho do ano seguinte, embarca para a Guiné, só regressando a Portugal em 1973, onde seria colocado na EPC.
Por esta altura iniciam-se as reuniões clandestinas do Movimento das Forças Armadas e, Salgueiro Maia, como Delegado de Cavalaria, integra a Comissão Coordenadora do Movimento. Depois do 16 de Março de 1974 e do «Levantamento das Caldas», foi Salgueiro Maia, a 25 de Abril desse ano, quem comandou a coluna de blindados que, vinda de Santarém, montou cerco aos ministérios do Terreiro do Paço forçando, já no final da tarde, a rendição de Marcello Caetano, no Quartel do Carmo, que entregou a pasta do governo a António de Spínola. Salgueiro Maia escoltou Marcello Caetano ao avião que o transportaria para o exílio no Brasil.


A 25 de Novembro de 1975 sai da EPC, comandando um grupo de carros às ordens do Presidente da República. Será transferido para os Açores, só voltando a Santarém em 1979, onde ficou a comandar o Presídio Militar de Santa Margarida. Em 1984 regressa à EPC.


Em 1983 recebe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, em 1992, a título póstumo, o grau de Grande Oficial da Ordem da Torre e Espada e em 2007 a Medalha de Ouro de Santarém.

Recusou, ao longo dos anos, ser membro do Conselho da Revolução, adido militar numa embaixada à sua escolha, governador civil de Santarém e pertencer à casa Militar da Presidência da República. Foi promovido a major em 1981.


Em 1989 foi-lhe diagnosticada uma doença cancerosa que, apesar das intervenções cirúrgicas no ano seguinte e em 1991, o vitimaria a 4 de Abril de 1992.





"...Luís, enfiado na cama, olhava, pelo janelo gradeado, a chuva repetitiva. Mexeu-se no beliche e aconchegou os cobertores. Precisava de dormir pois ainda teria um turno para fazer, mas, o sono não pegava. Na Casa da Guarda, o silêncio só era quebrado pela tosse do Sargento Féteira. Quantas noites destas, sem pregar olho, teria de passar nos anos que lhe faltavam para regressar à vida civil? África esperava-o. África, para ele era aquilo que o Aspirante lhe explicava na instrução, o que ouvia falar aos que já por látinham passado o mato, as picadas, as emboscadas, os cercos, os tiros, os corpos estropiados, o ter que matar para viver.

O Sargento tossiu novamente, agora mais demorado, pareciam arrancos dos pulmões.
Coitado, o homem estava todo roto. Ele também dizia que as madrugadas africanas é que o puseram assim, o nevoeiro de lá era tramado, metia-se nos ossos e dava umas febres que até podiam matar. Havia de perguntar ao Ribeiro como era isso do cachimbo ou cacimbo, toda a gente o nomeava. O que ele mais queria não podia afiançá-lo: voltar vivo. Se morresse, que fosse num instante, sem dar tempo para se aperceber; assim: “um tiro, tau, e já foste”. O Aspirante Correia, que era da sua terra e lhe dava boleia aos fins de semana, bem lhe dizia para não ser pessimista e pensar em gajas boas para se distrair, sem se amarrar a nenhuma, e que haveriam de regressar os dois com os amigos e a família a botarem foguetes. De uma coisa ele não desistiria: viesse lá quem viesse, naquele corpo só poria a pata quem se antecipasse na sorte ou no fogo. Custava-lhe deixar a Mãe que passava a vida a dizer: «Mal tu partas, ponho luto e só o tiro quando regressares.» Pareceu-lhe que a chuva entrara na caserna e lhe inundava os olhos. Puxou o lençol sebado e limpou o rosto. O Pai não lhe custaria tanto, sempre bêbedo, dando mau viver, a entrar em casa aos berros, gritando que estava farto de trabalhar sem que o dinheiro chegasse, que o que gastava em vinho era um migalho de nada.

O Cabo da Guarda nem precisou de o chamar. Mal o viu entrar no cubículo, levantou-se, vestiu o capote, enfiou o capacete, pegou na G-3, esperou que os outros se arranjassem e lá foi para o seu terço de sentinela. O bofetão da madrugada devolveu-lhe a realidade. Bateu várias vezes com as botas no chão, esfregou as mãos, bufou-lhes, e, trocada a senha, plantou-se na guarita. A manhã estava vai-que-não-vai para nascer, o rascunho do sol ganhava definição, já havia barulhos e vozes domésticas nas casas rentes ao muro. Sua Mãe, a esta hora, devia estar a preparar-se para ir ao Corgo lavar a roupa; o Pai, esse, só pelas sete costumava terminar a cura da borracheira para a reiniciar com um naco de broa, uma fatia de presunto e um copo de aguardente que a Tia Francisca do Alto – secular e durázia governanta da quinta em que ele, por intercessão dela, trabalhava aos dias – lhe dava, às escondidas dos patrões, com o carinho condoído por alguém que substitui o filho que não se teve.
Luís, no seu posto de inútil vigilância, pedia que o sol se apressasse e sonhava com o dia da sua licença de Natal. Ele ignorava que aquele seria - felizmente que ninguém sabe quando é – o seu último Natal.

Luís morreu, num dia de Novembro de mil novecentos e sessenta e oito, na serra Mapé, ali onde a Frelimo não suportava a tropa do puto. O destacamento de que fazia parte, incumbido de subir a serra para dar protecção aos fuzileiros que terminavam a nomadização, descia para Macomia com a miragem de uma semana de descanso na praia de Wimbe. Uma bazucada não lhe deu tempo para chamar pela Mãe.
Morreu como quisera: “tau, já foste!”.
A granada embateu no ponto em que a porta se ajusta ao tejadilho, ricocheteou para o interior da cabina da Berliet e, num estoiro de fim do mundo, desfarelou-os, a ele e ao condutor, enquanto o resto da coluna, saltando das viaturas, despejava carregadores e filhos da puta à toa numa resposta de desespero e raiva à emboscada.


Foi enterrado, a aguardar vez para um calado regresso em urna de chumbo, no cemitério de Porto Amélia, debruçado para o Índico. Não soube se a serra Mapé era Amarela e se o Natal africano tinha frio e neve.

O Aspirante Correia, já Alferes, enquanto o acompanhava, sentado no Unimog a cair aos bocados, ao lado da urna, olhava a medalha que ele lhe entregara, numa premonição inocente, para «no caso de eu marar, veja se a entrega à minha Mãe».


Cumpriu o que lhe prometera. Numa tardinha de Abril, quando os cavadores se recolhiam para o caldo e o apresigo, viu, da janela, como um dó, o luto da Silvina com um caneco de água à cabeça. Hesitou outra vez - há dias que se consumia na irresolução -, mas, queria livrar-se daquele carrego. - «Tem de ser hoje!». - Saiu de casa e interrompeu-lhe o caminho.

- D. Silvina – pigarreou -, tenho-me esquecido de lhe entregar uma coisa que o Luís me pediu.

- Nem a quero ver, senhor – disse-lhe numa voz enregelada, deixando-o paralisado pela rapidez da compreensão do seu intuito. - Agradeço-lhe a sua boa vontade, mas já nada adianta para a minha vida. – Os olhos não tinham lágrimas, só um frio caliginoso. - Enterre-a ou deite-a fora, dei-lha em vida não a quero na morte.


- Compreendo-a - gaguejou com receio de se abater - , mas tenho que cumprir a promessa. – E empolou a palavra num apelo a escrúpulos religiosos.

Silvina olhou-o num instante que lhe pareceu implorativo (não decifrou se a água que lhe cobria os olhos escorria do caneco ou lhe nascia no peito), abriu a mão direita e disse: - «Deixe-a ver.» Meteu- a no bolso do avental e retomou o andar.


A medalha - nunca o esqueceria - tinha uma imagem da Senhora da Graça e no verso uma frase: «Oferece a tua Mãe.»



Por M. Nogueira Borges in Lagar da Memória
In blog “Forever Pemba”


                                           João Neves


20 abril, 2010

....é assim a democracia.

Durante o passado fim-de-semana a maioria dos órgãos de comunicação social deu destaque a duas Assembleias Gerais de duas importantes empresas portuguesas.
EDP e PT.
Certamente muitos foram os pontos tratados, tanto numa como noutra, mas a importância da comunicação social, prendeu-se quase em exclusivo com a autorização concedida por ambas as Assembleias, no que disse respeito aos vencimentos e bónus dos seus administradores.
Não sou dos que contestam o valor que este ou aquele técnico/especialista de mercado possam valer. Acredito e defendo que quando alguém mostra provas de um valor qualitativo em trabalho e organização acima da média, deve merecer ser recompensado no vencimento.
Mas a recompensa que defendo é no vencimento e não nos chamados bónus.
Ouvimos, vimos e lemos que pelo menos um dos administradores de uma dessas empresas, arrecadou qualquer coisa como 3,1 milhões de euros.
Como disse em cima, não contesto esta questão. Não estou de acordo é com a diferença entre os que ganham tanto e os outros que ganham muito pouco. Já nem sequer os comparo aos pensionistas.
Custa-me a aceitar que ainda haja pessoas que não têm dinheiro para comprar medicamentos essenciais para a sua continuidade de vida.
Custa-me a aceitar que ainda haja pessoas que não têm dinheiro para comprar livros ou outro tipo de material escolar para os filhos.
Custa-me a aceitar que ainda haja pessoas que não têm dinheiro para comprar algo diferente do dia-a-dia para comer, e acabem por passar fome.
Custa-me a aceitar que ainda haja pessoas que não têm dinheiro para comprar roupa, aceitando assim as dádivas.
Custa-me a aceitar muitas outras situações de famílias que todos nós conhecemos e que neste momento estão a passar graves problemas, mas não querem que ninguém saiba por sentirem vergonha perante a sociedade.
Mas a vida tem sido assim.
Pena é que quando neste pequeno país em 25 de Abril de 1974 se modificaram as “coisas”, alegando injustiças por parte dos anteriores governantes, hoje, passados 36 anos e reconhecendo que foram cometidos alguns erros, continuemos a assistir a situações de injustiça.
Injustiça mais grave não é possível, se tivermos em linha de conta que hoje afirmamos aos quatro ventos viver em liberdade e democracia. Mas que raio de democracia esta.
Hoje uns para conseguir uma reforma de miséria têm que trabalhar até aos sessenta e muitos anos de idade, enquanto outros basta-lhes doze anos e já têm a reforma completa. E que reforma. Mas é assim a democracia.
No fundo no fundo, o que me custa a aceitar é que haja uma diferença tão grande em conceito de sobrevivência.
Sim. Hoje ainda não é uma realidade, mas acredito que no amanhã, muita gente neste maravilhoso país que é Portugal, à semelhança do que se passa numa boa parte do Mundo e em países onde a diferença de riqueza e pobreza é tão significativa (exemplos não faltam), vai saber avaliar com dureza e por experiência própria, esse sofrimento.

02 abril, 2010

ALMEIDA, Almeida sempre

Claro que o texto e respectivo cartaz sobre a grafia ALLmeida do último post se tratou de uma brincadeira - mentira do 1º de Abril como os leitores do blog logo deram conta…
Mesmo assim, como duas faces da mesma moeda, que todos podem comprovar e sentir, os ingredientes reais estão até à vista desarmada. Daí a tristeza que muitos sentem, mas poucos se atrevem a confessar e com o nome por baixo, como o faz o F. Garcês. Outros, lamentavelmente ao que parece uma maioria, calam-se… e consentem. Querem lá saber se é Almeida ou ALLmeida, querem é que a vidinha lhes corra!

Não há nenhuma WTM enquanto World Tourism Market, mas sim uma WTM – World Travel Market. O Município esteve lá, efectivamente, em Novembro de 2009, e anunciou-o no seu sítio oficial. Não deu foi informação de quaisquer resultados dessa deslocação e presença em Londres, a não ser as fotos da praxe a confirmar que esteve lá.
Estas piadas do 1º de Abril são as únicas mentiras que os autores deste blog conscientemente publicam, para serem desmentidas no dia imediato. Todas as outras alegadas “mentiras” - assim chamadas pelos detentores do poder, e propaladas pelos seus bajuladores - não foram, nem podem ser desmentidas, aqui ou noutro lado, pois são realidades que só não vê quem não quer.

Almeida nunca virá a ser ALLmeida. Pelo menos de nome, assim esperemos. Mas, de resto, pelas mamarrachadas conhecidas com que as mentes iluminadas têm brindado a terra, não só fazem parte do anedotário do 1º de Abril que cada ano se repete, mas, o que é muito mais grave, são a evidência de uma pretensão urbanóide que tem vindo a descaracterizar o que esta Praça-Forte tinha de único. Numa altura em que Lisboa foi internacionalmente votada como a favorita entre muitas outras cidades famosas do mundo, pelos seus edifícios históricos, mas sobretudo pela sua Autenticidade e Originalidade, não é preciso pensar muito para concluir que o rumo que Almeida está a traçar é diametralmente oposto ao que deveria ser, e com muito mais benefício económico-social. O problema é que, geralmente, quando os efeitos das más opções se fazem sentir na pele, é demasiado tarde para se emendar a mão.

A Páscoa é supostamente um período de reflexão. Por exemplo, nas consequências da acção de Pilatos. Quem sabe, surja um pouco de arrependimento. BOA PÁSCOA!


01 abril, 2010

ALMEIDA e não ALLmeida!

Já não bastavam todas as intrusões aberrantes que a nossa vila vem sofrendo, ainda faltava agora mais esta: terem alterado a grafia e até a pronúncia do nome da nossa terra: “ALLMEIDA”! Dirão os especialistas que se trata apenas de uma modernização, ajustando o nome às exigências e ao marketing turístico internacional, pois “ALLMEIDA” soará melhor aos estrangeiros, público-alvo com mais poder económico, a quem encherá melhor o olho do que a vetusta grafia a que nós todos nos habituámos: ALMEIDA.

Assim foi, pois, apresentado o cartaz que assinalou a participação de Almeida no WTM (World Tourist Market), em Londres, em Novembro de 2009, a que tivemos acesso.

Apenas me interrogo quem será o responsável por este tremendo disparate que nem sequer deu aos habitantes do concelho hipótese de se pronunciarem acerca da mudança?! Para não falar na mescla ortográfica e histórica que essa nova designação toponímica encerra… a não passar de um inspiração decalcada nos cartazes turísticos que visam promover o Algarve, depois daquela ideia do ex-ministro Manuel Pinho! Como tempo é dinheiro, e há que acautelar a época de verão que se aproxima em passos largos, com os milhares e milhares de turistas aguardados, vai de se ir para Londres tentar agradar aos “bifes” com patacoadas destas !...

Valha-nos Sto. Expedito , pois para tanto disparate qualquer um serve… Que se há-de fazer com tudo isto, quando os verdadeiros almeidenses, agora denominados allmeidenses, vão alegremente tudo aceitando ?…