24 junho, 2014

Consciência Social de Cidadão


Quem leu o Expresso de 21 de Junho, na última página em letras garrafais estava o seguinte título: “ PS recupera 3,6 milhões das autárquicas ”.
Uma outra notícia que há dias (23/06) aparecia na comunicação social, tinha o seguinte título: “ Empresas devem mais de 800 milhões em impostos “.
Numa semana Estado despendeu 4 milhões (só) em acessórias “ outra notícia que se pode ler com data de 21/04.
Poderia aqui trazer mais títulos semelhantes que nos levem a ver como os nossos políticos, preocupados que estão com a governação deste país e procurando minimizar a situação degradante que as famílias neste momento atravessam, acabam por gerir o que é nosso.
Cortes e mais cortes tanto em trabalhadores no activo como na reforma, são feitos com uma leviandade e assiduidade tal, que nos assustam ao ponto de não sabermos onde e quando terminarão. Os “pobres” dos funcionários públicos são os mais sacrificados, parecendo ao fim e ao cabo que afinal são eles os culpados máximos desta situação em que o país se encontra. Em alguns meios de comunicação até vemos e ouvimos que o Estado gasta a sua maior tranche de receita nos vencimentos dos seus funcionários. É capaz de ser verdade, mas quando temos pessoas a ganhar mais de 5 e 10 mil euros mensais e a maioria a ganhar um pouco mais do que ordenado mínimo nacional, a discrepância está aí patente.
É preciso despertar consciências e acalentar a esperança de uma mudança. Mas como poderemos fazer isso, se aqueles que o podem fazer mudando a Lei, são os mesmos que hoje se encontram em lugares de privilégio político e social? Não obstante isso, muitos deles já procuraram conseguir um lugar ao Sol para os seus filhos e familiares. A continuidade está assegurada e a alternância de poder também. Aos demais, nada mais resta do que ir participando numa ou noutra festinha para conseguir alguns míseros sobejos, ou então alhear-se de forma a manter íntegra a sua consciência social de cidadão.
Ainda poderemos manter viva a chama de uma nova revolução. Ultimamente tem-se ouvido falar mais disso. Temo que o facto de amanhã se partir para uma situação destas, nada será semelhante ao vivido em 74. Haverá certamente muitas mais fissuras na sociedade, o que pode levar a uma alteração social de contornos imprevisíveis.
Mas se tiver que ser assim, que seja.
O importante é que a justiça social seja mais equitativa.

     

08 junho, 2014

...todo filho é pai da morte de seu Pai...




" Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.
É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela - tudo é corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.
E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.
 
Todo filho é pai da morte de seu pai.
 
Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.
 
E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.
Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.
Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.
A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.
A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.
Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.
Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?
Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
 
E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
 
Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.
No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:e
Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.
Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrado:
 
Estou aqui, estou aqui, pai!
 
O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali. "

(autor desconhecido)