12 setembro, 2008

(DES)ARRANJOS EM ALMEIDA

Lamentavelmente, confirmaram-se os receios que levaram à minha participação no “Praça Alta” de Agosto e no último ‘post’ deste blog, chamando a atenção para o eventual risco que corria o património histórico-cultural da vila de Almeida, a propósito dos workshops promovidos pela CMA no dia 23 de Agosto.
Seria até mais pragmático reconhecer que a organização dos tais workshops não passaria de uma tentativa de branqueamento das intenções para intervir a próprio contento no centro histórico de Almeida, não fosse a presença massiva dos almeidenses que compareceram para tomar conhecimento dos projectos e, ao fazê-lo, os contestarem veememente. Isto porque o que foi apresentado como novas obras ultrapassa o razoável em termos de bom senso, constituindo, caso se concretize, algo que pode inclusivamente ser visto como de lesa-património. Habituados que devem estar à indiferença ou distracção dos almeidenses, esperariam as entidades promotoras uma fraca participação destes, o que misturado com os aplausos de circunstância dos convidados de fora, uma vez mais passaria por uma tácita anuência para o tipo de intervenção. Mas, desta vez foi diferente, e pelo vigor das intervenções, dificilmente nada daqui para a frente será igual…

Tanto in loco na zona do Castelo como no auditório das Portas de Santo António, houve oportunidade de detalhadamente serem explicadas pelo arquitecto João Campos, consultor contratado pela CMA, e pelo Presidente as respectivas perspectivas e justificações de intervenção: no espaço exterior do antigo cemitério, contíguo ao Castelo, foi proposta a construção de um edifício em altura, com funções de arrumos na parte inferior, englobando o depósito de água que se encontra ao nível do solo, e na parte superior um miradouro com pérgula e pala, eventualmente munido de esplanada e até cafetaria, servido de diversas escadarias e rampas de acesso, que, no seu conjunto de tal modo volumoso, de linhas modernas e implantado num lugar altaneiro da vila, logo se imporia para quem chegasse a Almeida, em recorte de horizonte entre o depósito da água antigo e a torre do relógio.
Se até aqui os almeidenses se indignam com o edifício conhecido, entre outros nomes, por “mamarracho” da Praça da Liberdade junto à Câmara, e que maioritariamente, para não dizer na totalidade, os desgosta, desta vez o que se propõe é algo que rivaliza com essa construção, com larga vantagem em termos de desenquadramento e fealdade e, pior ainda, notoriedade… mesmo à distância. Portanto, mais uma vez se está a perspectivar um novo atentado ao valor e espaço histórico de Almeida como um todo, quebrando o respeito que os almeidenses sentem por aquele lugar, chocando com as suas memórias e o luto que ainda hoje sofrem pela tragédia da explosão do castelo em 1810.
Além disso, mesmo removidas todas as ossadas do cemitério velho, essa aberrante construção iria implicar imposição de terraplenos num sítio que carece de mais exaustivas escavações arqueológicas, pois se sabe que no local existiu a igreja matriz, destruída aquando da explosão do castelo. Portanto, qualquer intervenção naquele local, que apesar de aspecto abandonado, está carregado de alma para os almeidenses, faz com que só deixe de ser considerado sagrado, quando o tempo e a memória das pessoas que conheceram o cemitério e porventura ali tiveram sepultados parentes, desaparecerem também. Mesmo nessa eventualidade, as intervenções de construção ali, deverão primeiro aguardar a colocação a descoberto da totalidade das ruínas soterradas da igreja, para então se estudar o que melhor se coaduna ao local. Mas, de certeza, que não uma obra que impositivamente mexa com o todo histórico e paisagístico de Almeida como a que ora se propõe.
Para completar o naipe, está previsto no projecto e logo à entrada do portão ladeado por dois cedros um monumento tipo memorial à efeméride dos 200 anos do “Sacrifício de Almeida”, alusivo à explosão do Castelo. Independente da qualidade ou do gosto plástico do mesmo, é proposto ter na frente também um “espelho de água”, na forma eufemística de lhe chamar um tanque que, mercê da previsível e constante necessidade de manutenção para ter água corrente, ou acabará por ficar seco, ou fatalmente transformado em repositório de lixo e água estagnada. Durante o workshop e integrado no “Simpósio de escultura” foi apresentado esse memorial, alegadamente um “estudo”, até pelo texto que não se consegue decifrar. Bem se pode estranhar que um monumento que pretende comemorar 200 anos da explosão do castelo, ou seja para 2010, já esteja concretizado… a ponto de merecer coroa de flores no seu local provisório!

Foram ainda mostradas uma série de esculturas que deverão ser colocadas em vários pontos do concelho. Uma delas, designado por Monumento ao 25 de Abril, que serve de pretexto ao “arranjo urbanístico” junto às Portas de S. Francisco, o qual, segundo o projecto, será implantado mesmo defronte à Porta exterior, ocupando o largo ali existente, e prolongando-se até ao jardim da pérgola, defronte aos edifícios dos antigos celeiros, com três longos “espelhos de água”… uma mania que querem fazer chegar a Almeida, depois de comprovado erro noutros lugares…
Sem questionar esse monumento, de alguma anterior controvérsia, confirmada pelo remate um tanto indelicado como foi explicado pelo seu autor com um “quero é que os almeidenses sejam felizes!...”, o que se torna descabido é sobretudo pela sua dimensão e extensão o local onde vai ser erigido. O largo ficará com uma espécie de rotunda, desaparecendo quase toda a área de salvaguarda ao monumento da fortaleza, que vai ser preenchido com essa construção. Ora, uma vez mais se está a desrespeitar toda a envolvência histórica do local, não tendo em conta o espaço junto às Portas de S.Francisco sobrepondo-se-lhes visualmente e fazendo desaparecer o amplo campo de visibilidade para quem chega e entra em Almeida. A imponência que as Portas ostentam desaparecerá, envolvidas que vão ser pelo novo monumento. Um local que nas praças de guerra quase sempre existia como parada externa para a formatura de tropas que desfilariam em dias de festa, ou partiriam em missão de patrulha e combate no exterior, deixa irremediavelmente de existir.

Com estas preocupações partilhadas, é fundamental que os Almeidenses se apercebam que, por detrás de um pretenso dinamismo de construção de obras, cada uma delas pode representar uma ou mais machadadas ao monumento histórico de Almeida. Implantadas numa antiga praça de guerra que se pretende em harmonia de ambientes e construções integradas que constituem a sua inegável mais-valia, vêm estes verdadeiros atentados empobrecê-la, em vez de beneficiá-la.
É preciso urgentemente demonstrar a este autismo decisor que basta de tanto disparate arquitectónico que está inegável e irreversivelmente a descaracterizar a nossa histórica terra. Os workshops serviram como primeiro passo, mas os almeidenses não devem descansar!

Rui Brito da Fonseca