Gostava de Acreditar
Por Maria Filomena Mónica
POR VEZES, há coincidências que espantam. Hoje, dia em que
estou a escrever, tive conhecimento que o Primeiro-Ministro pedira aos
portugueses para «não deixarem de acreditar no futuro», que a maioria PSD/CDS
ia avançar com uma proposta de alteração ao Orçamento Geral do Estado a fim ter
autorização para aplicar uma taxa às pensões mais altas podendo ir até 50% do
valor mensal (a ser cobrada de uma só vez) e que, após ter sido ouvido o Senado
Universitário, a Universidade de Lisboa decidira conceder-me o título de
Investigadora Emérita, com base em que me teria distinguido pela «continuada
acção ao longo dos anos, pelo prestígio adquirido no seu campo académico e
científico e pela projecção nacional e internacional da Universidade de
Lisboa». Por suspeitar que o título me fora atribuído não tanto pelo
reconhecimento do meu trabalho mas por critérios burocráticos, fiquei sem saber
como reagir, o que pouca importância tem diante do apelo do Primeiro-Ministro.
Gostava de acreditar que o montante dos subsídios - de Natal
e de férias – que para o ano me vai ser retirado, bem como o do corte na pensão
«doirada» que recebo, não iriam ser canalizados para o aumento da frota
automóvel dos governantes, para a contratação de adjuntos inúteis ou para a
criação de «Observatórios» universitários que só observam o que os governos
lhes aponta, mas dirigidos para que a escola pública tivesse prestígio, para
que o sistema de justiça fosse responsável e para que os centros de saúde se
tornassem eficientes. Gostava ainda de acreditar que a Mafalda, a
fisioterapeuta que me pôs o corpo direitinho, poderia ter o filho que deseja,
que a D. Isaura, a funcionária pública que me atura, conseguiria arranjar um
lar onde a mãe, sofrendo de Alzheimer, pudesse ser humanamente tratada, que a
Verónica, que terminou o curso de História com brio e glória, arranjasse um
emprego e que a D. Rosa, a minha mais próxima vizinha, não seria obrigada, por
não ter dinheiro com que os pagar, a reduzir os medicamentos de que carece. Em
suma, gostaria de pensar que os sacrifícios que me vão ser impostos no final de
uma carreira que a instituição a que pertenço considera susceptível de
distinção serviriam para dar conforto aos menos afortunados, mas conheço bem demais
os poderosos do meu país para acreditar que isso venha a suceder.
No que diz respeito a sacrifícios, os governantes deveriam
aliás ser os primeiros a dar o exemplo. Que sentido faz o Presidente da
República receber, não pelas funções que exerce, mas como pensionista (da CGA e
do Banco de Portugal)? Não se indigne já o leitor, pois há pior. Após ter
descoberto que a sua reforma, como ex-juíza do Tribunal Constitucional (7.255
euros), era superior ao salário que auferiria na Assembleia da República (5.219
euros), Assunção Esteves optou pela primeira, mantendo todavia o direito às
ajudas de custo, no valor de 2.133 euros.
Enquanto os que podem rapam o tacho, os pobres olham-nos com
ódio ou, na melhor das hipóteses, com desprezo.
«Expresso» de 26 Novembro de 2011