29 novembro, 2012

Gostava de Acreditar


Gostava de Acreditar

Por Maria Filomena Mónica

POR VEZES, há coincidências que espantam. Hoje, dia em que estou a escrever, tive conhecimento que o Primeiro-Ministro pedira aos portugueses para «não deixarem de acreditar no futuro», que a maioria PSD/CDS ia avançar com uma proposta de alteração ao Orçamento Geral do Estado a fim ter autorização para aplicar uma taxa às pensões mais altas podendo ir até 50% do valor mensal (a ser cobrada de uma só vez) e que, após ter sido ouvido o Senado Universitário, a Universidade de Lisboa decidira conceder-me o título de Investigadora Emérita, com base em que me teria distinguido pela «continuada acção ao longo dos anos, pelo prestígio adquirido no seu campo académico e científico e pela projecção nacional e internacional da Universidade de Lisboa». Por suspeitar que o título me fora atribuído não tanto pelo reconhecimento do meu trabalho mas por critérios burocráticos, fiquei sem saber como reagir, o que pouca importância tem diante do apelo do Primeiro-Ministro.
 
Gostava de acreditar que o montante dos subsídios - de Natal e de férias – que para o ano me vai ser retirado, bem como o do corte na pensão «doirada» que recebo, não iriam ser canalizados para o aumento da frota automóvel dos governantes, para a contratação de adjuntos inúteis ou para a criação de «Observatórios» universitários que só observam o que os governos lhes aponta, mas dirigidos para que a escola pública tivesse prestígio, para que o sistema de justiça fosse responsável e para que os centros de saúde se tornassem eficientes. Gostava ainda de acreditar que a Mafalda, a fisioterapeuta que me pôs o corpo direitinho, poderia ter o filho que deseja, que a D. Isaura, a funcionária pública que me atura, conseguiria arranjar um lar onde a mãe, sofrendo de Alzheimer, pudesse ser humanamente tratada, que a Verónica, que terminou o curso de História com brio e glória, arranjasse um emprego e que a D. Rosa, a minha mais próxima vizinha, não seria obrigada, por não ter dinheiro com que os pagar, a reduzir os medicamentos de que carece. Em suma, gostaria de pensar que os sacrifícios que me vão ser impostos no final de uma carreira que a instituição a que pertenço considera susceptível de distinção serviriam para dar conforto aos menos afortunados, mas conheço bem demais os poderosos do meu país para acreditar que isso venha a suceder.
 
No que diz respeito a sacrifícios, os governantes deveriam aliás ser os primeiros a dar o exemplo. Que sentido faz o Presidente da República receber, não pelas funções que exerce, mas como pensionista (da CGA e do Banco de Portugal)? Não se indigne já o leitor, pois há pior. Após ter descoberto que a sua reforma, como ex-juíza do Tribunal Constitucional (7.255 euros), era superior ao salário que auferiria na Assembleia da República (5.219 euros), Assunção Esteves optou pela primeira, mantendo todavia o direito às ajudas de custo, no valor de 2.133 euros.

Enquanto os que podem rapam o tacho, os pobres olham-nos com ódio ou, na melhor das hipóteses, com desprezo.

«Expresso» de 26 Novembro de 2011

06 novembro, 2012

Será que isto está a ser cumprido?


Já era para ter trazido a este espaço alguns considerandos sobre a actual situação sócio económica que neste momento estamos a atravessar.
Por muito que às vezes queiramos falar bem do que quer que seja, a verdade é que as coisas menos boas atravessam-se-nos a catadupejar, e não permitem que vejamos com nitidez as melhores.
Ao lermos/vermos/ouvirmos as notícias em geral nos mais diversos órgãos de comunicação social, acabamos por ficar com um sentimento estarrecedor.
Dia a dia, semana a semana, mês a mês os problemas acumulam-se, e as soluções são sempre as mesmas e sempre para os mesmos.
Felizmente(?) estamos a ouvir algumas pessoas com conhecimento das mais diversas matérias, levantar a voz e começarem a questionar a classe política sobre as decisões. Já é tarde. Mas como diz o nosso povo, mais vale tarde do que nunca.
Nos mais diversos espaços de opinião cibernéticos, ex.: facebook, twitter, etc… estamos a ver muita gente a manifestar a sua não concordância com decisões tomadas.
O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, no Notícias ao Minuto do dia 05/11/2012, http://www.noticiasaominuto.com/politica/18319/marinho-e-pinto-denuncia-golpe-de-estado-palaciano, vem dizer que alguém está a querer “subverter” a Constituição.
Como é possível que alguém com responsabilidades políticas, possa não respeitar a Constituição? Inadmissível.
Mas já que falamos de Constituição, vejamos o que ela diz num ou outro artigos.

 

Artigo 9º (Tarefas fundamentais do Estado), alínea d)Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais.”  

 Isto está a ser feito?
Alguns dos portugueses não se lembram de ter estado tão mal, quanto hoje.
A forma como actualmente vivemos, pode chamar-se de qualidade de vida?
E que dizer da igualdade entre os portugueses?
Nunca houve tanta desigualdade e cada vez mais acentuada. 

Artigo 13º (Princípio da igualdade), ponto 2, “ Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. 

Será que não há gente privilegiada a aposentar-se com idade muito inferior ao que é exigido à maioria dos trabalhadores portugueses?  

Artigo 23.º (Provedor de Justiça) ponto 1.Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças.”

Sinceramente tenho alguma dificuldade em entender este ponto.
Então eu vou apresentar uma reclamação contra o Ministério das Finanças por qualquer motivo. Depois o Provedor vai enviar a minha queixa para qualquer departamento governamental.
E depois? O mais certo é voltar ao início. Enfim. 

Artigo 59.º (Direitos dos trabalhadores) 2.Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento; 

Será que isto está a ser cumprido?
A actualização do salário mínimo em função do do custo de vida?
Tenho dúvidas para não dizer que tenho certezas. 

Artigo 65.º (Habitação e urbanismo) 1. “ Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.”

Será que isto está a ser cumprido? 

Artigo 70.º (Juventude) 2.A política de juventude deverá ter como objectivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa, o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade.”

Será que isto está a ser cumprido? 

Artigo 81.º (Incumbências prioritárias do Estado) Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:
“ a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;
b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal;”

Será que isto está a ser feito? 

Muitos mais artigos poderíamos ir ver à Constituição e saber se estão a ser respeitados, mas não vale a pena, pois a desilusão seria muito maior.
Não vale a pena culpar esta ou aquela pessoa.
São muitos.  

Os próximos 7/8 anos vão ser ainda muito mais problemáticos e difíceis para os mais desfavorecidos que infelizmente somos cada vez mais.

 

 

 

 

02 novembro, 2012

...roubam-nos a lua e...arranca-nos a voz…


 
Na primeira noite eles aproximam-se…
e colhem uma flor do nosso jardim…
e não dizemos nada…
Na segunda noite,

Já não se escondem,
...pisam as flores…matam o nosso cão…
e não dizemos nada…
Até que um dia…

o mais frágil deles…
entra sozinho em nossa casa…
rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta…
E porque não dissemos nada…
…já não podemos dizer nada…

Vladimir Maiakóvski (…escreveu ainda no inicio do Séc. XX…)

 
Primeiro levaram os negros,
Mas não me importei com isso…eu não era negro…
Em seguida levaram alguns operários…
Mas não me importei com isso…eu também não era operário…
Depois prenderam os miseráveis,
Mas não me importei…porque não sou miserável…
Depois agarraram uns desempregados,
Mas como tenho o meu emprego…não me importei com isso…
Agora estão me levando a mim…
Mas já é tarde…ninguém se importa comigo…

Bertola Brecht (1898-1956)

Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era Judeu…
Como não sou Judeu…não me importei…
No dia seguinte vieram e levaram o outro vizinho que era comunista…
Como não sou Comunista…não me importei…
No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico…
Como não sou Católico…não me incomodei…
Ao quarto dia vieram e…me levaram…
…não há mais ninguém para reclamar…

 
Martim Niemöller – 1933 (Símbolo da resistência aos nazis)

 
 
…incrível é que, após mais de cem anos, ainda nos encontremos tão desamparados, inertes e submetidos aos caprichos da ruína moral dos poderes governantes, que vampirizam o erário, aniquilam as instituições e deixam aos cidadãos os ossos roídos e o direito ao silêncio…porque a palavra…há muito se tornou inútil…
 
 
 



"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os sociais, os corporativos e o Estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o Estado a que chegámos!"

Salgueiro Maia, na madrugada de 25 de Abril de 1974".
 
...entretanto...dia 14 de Novembro 2012...vamos ter Greve Geral...no nosso quintal...
 
 
João Neves