29 dezembro, 2011

Novo ciclo: a incerteza

COMO QUASE sempre na vida, os ciclos terminam antes que as pessoas se dêem conta. Algures em meados da década de noventa, os tempos da fartura e da prosperidade tinham acabado. Desde então, o crescimento estagnou, primeiro, desceu para níveis negativos, depois. Iniciou-se então uma época “entre ciclos”, durante a qual se mantiveram as ilusões e a euforia, agora condimentada com doses inultrapassáveis de demagogia. Vivia-se como se tudo fosse ainda possível, como se os cofres do Estado, das empresas e das famílias estivessem recheados. Como se ainda houvesse agricultura, floresta, pescas e indústria. Como se o investimento estrangeiro continuasse a procurar a nossa economia. Em poucas palavras, como se progresso interminável estivesse garantido. O Estado prometia e pagava. As famílias gastavam. A banca aproveitava. As empresas endividavam-se. O financiamento externo não cessava. Os avisos que alguns deram não tinham sequer eco, foram considerados sinais de senilidade e pessimismo. O futuro continuava radioso.

A crise internacional e o colapso nacional mostraram a dimensão inacreditável do desastre e da demagogia. A fragilidade nacional surgiu em proporções inesperadas. A produção nacional era insuficiente, o consumo não parava de crescer. O défice público aumentava sem travões nem sensatez. A dívida externa e interna, sobretudo a primeira, atingia níveis dramáticos. A balança comercial afundava-se. Os emigrantes enviavam menos remessas e os imigrantes mandavam mais. O investimento externo reduzia-se. A expatriação de capitais aumentava. A deslocalização de empresas acelerava. Passámos a viver em desequilíbrio crescente e à custa dos credores. O ataque à dívida soberana resultou imediatamente, não por efeito de conspirações malignas, mas em consequência de uma vulnerabilidade total. O país, o Estado, a banca, muitas empresas e muitas famílias faliram. A assistência financeira externa foi indispensável. Começou a viver-se um novo ciclo que ainda não tem nome, mas cujos contornos são já conhecidos. A nova realidade do desemprego, da quase falência do Estado social, da falta de competitividade, da austeridade e do crescimento insuportável dos impostos veio para ficar. Iniciámos um longo período de crescimento muito baixo ou nulo. As oportunidades serão cada vez menos. A emigração será maior.

Há muita gente que não acredita neste brando diagnóstico. Como não acreditou, durante década e meia, nos sinais de desgoverno e de decadência. Mas a vida acabará por impor a sua lei e a força da realidade. Tão cedo, antes de vários anos, os Portugueses não voltarão a ter os níveis de rendimento, de bem-estar e de desafogo que conheceram, de modo crescente, durante duas ou três décadas. As classes médias perderão algo que tinham, trabalhadores e classes mais desfavorecidas sentirão apertos maiores e apoios sociais menores. Na melhor das hipóteses, com muito trabalho, com um enorme esforço de reorganização do Estado e das finanças públicas e com uma imensa acção de atracção do investimento externo, os Portugueses terão, dentro de cinco a dez anos, as primeiras impressões de um melhoramento real das suas vidas.

Entretanto, as consequências políticas desta situação tornaram-se visíveis ou previsíveis. O Parlamento nacional encontra-se marginalizado e sem regresso. A política nacional está dependente e condicionada nos mais ínfimos pormenores. A Comissão Europeia foi espatifada. O Parlamento Europeu foi confirmado na sua mirífica irrelevância. As instituições europeias estão à mercê das duas grandes potenciais regionais e dos grandes grupos financeiros multinacionais. Partidos e sindicatos europeus brilham pela sua ausência. As empresas europeias põem-se ao abrigo nacional ou multinacional, mas certamente não europeu. Nenhum movimento europeu se revelou até hoje com capacidade para emprestar a voz aos cidadãos, que, de qualquer maneira, se sentem menos europeus do que nunca.

Pior que tudo: não há alternativa. Portugal (tal como qualquer outro país) terá de encontrar as suas soluções no quadro europeu. Não parece haver solução portuguesa para a portuguesa crise. O ultimato alemão e europeu é insuportável, as instruções para a revisão constitucional são intoleráveis e a interferência na escolha dos dirigentes políticos é inadmissível. Mas não se conhece outra solução, a não ser a aquiescência ou a resignação. No quadro europeu, seguindo as regras de disciplina financeira e vivendo um longo período de austeridade e de crescimento quase nulo, Portugal terá a hipótese de preservar alguma aparência de democracia e uma reduzida margem de bem-estar e de apoio social. Mesmo se com independência mitigada. Fora da Europa, com algum proteccionismo, com a reestruturação da dívida e eventualmente a cessação de pagamentos, os Portugueses conhecerão a pobreza e perderão o pouco que lhes resta de democracia. Não há volta a dar. Acreditem.

Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2011


António Barreto

Publicado no Blogue "Jacarandá"


...e então...bom ano de 2012...pelo menos com saúde...

João Neves

17 dezembro, 2011

...e então é Natal...




Feliz Natal 



…que seja uma data que marque o início de novos tempos…
…mais fraternos…
…mais solidários…
…onde a unidade seja defendida como lema…


Feliz Ano de 2012

…em especial para os habitantes de Riba-Côa…

 
 

03 dezembro, 2011

...ou a anatomia interna de um polvo...parte I


Gostava de Acreditar


Por Maria Filomena Mónica


POR VEZES, há coincidências que espantam.

Hoje, dia em que estou a escrever, tive conhecimento que o Primeiro-Ministro pedira aos portugueses para «não deixarem de acreditar no futuro», que a maioria PSD/CDS ia avançar com
uma proposta de alteração ao Orçamento Geral do Estado a fim ter autorização para aplicar uma taxa às pensões mais altas podendo ir até 50% do valor mensal (a ser cobrada de uma só vez) e que, após ter sido ouvido o Senado Universitário, a Universidade de Lisboa decidira conceder-me o título de Investigadora Emerita, com base em que me teria distinguido pela «continuada acção ao longo dos anos, pelo prestígio adquirido no seu campo académico e científico e pela projecção nacional e internacional da Universidade de Lisboa». Por suspeitar que o título me fora atribuído não tanto pelo reconhecimento do meu trabalho mas por critérios burocráticos, fiquei sem saber como reagir, o que pouca importância tem diante do apelo do Primeiro-Ministro.


Gostava de acreditar que o montante dos subsídios - de Natal e de férias – que para o ano me vai ser retirado, bem como o do corte na pensão «doirada» que recebo, não iriam ser canalizados para o aumento da frota automóvel dos governantes, para a contratação de adjuntos inúteis ou para a criação de «Observatórios» universitários que só observam o que os governos lhes aponta, mas dirigidos para que a escola pública tivesse prestígio, para que o sistema de justiça fosse responsável e para que os centros de saúde se tornassem eficientes.

Gostava ainda de acreditar que a Mafalda, a fisioterapeuta que me pôs o corpo direitinho, poderia ter o filho que deseja, que a D. Isaura, a funcionária pública que me atura, conseguiria arranjar um lar onde a mãe, sofrendo de Alzheimer, pudesse ser humanamente tratada, que a Verónica, que terminou o curso de História com brio e glória, arranjasse um emprego e que a D. Rosa, a minha mais próxima vizinha, não seria obrigada, por não ter dinheiro com que os pagar, a reduzir os medicamentos de que carece. Em suma, gostaria de pensar que os sacrifícios que me vão ser impostos no final de uma carreira que a instituição a que pertenço considera susceptível de distinção serviriam para dar conforto aos menos afortunados, mas conheço bem demais os poderosos do meu país para acreditar que isso venha a suceder.


No que diz respeito a sacrifícios, os governantes deveriam aliás ser os primeiros a dar o exemplo. Que sentido faz o Presidente da República receber, não pelas funções que exerce, mas como pensionista (da CGA e do Banco de Portugal)? Não se indigne já o leitor, pois há pior. Após ter descoberto que a sua reforma, como ex-juíza do Tribunal Constitucional (7.255 euros), era superior ao salário que auferiria na Assembleia da República (5.219 euros), Assunção Esteves optou pela primeira, mantendo todavia o direito às ajudas de custo, no valor de 2.133 euros.

Enquanto os que podem rapam o tacho, os pobres olham-nos com ódio ou, na melhor das hipóteses, com desprezo.

«Expresso» de 26 Nov 11

in SORUMBÁTICO - www.sorumbatico.blogspot.com - 29 Nov 11