24 junho, 2009

EXEMPLO DE DINÂMICA DA SOCIEDADE CIVIL


Aldeia de S. Sebastião

Um exemplo da Dinâmica da Sociedade Civil

No retrato actual do Concelho de Almeida, são marcantes os traços característicos das regiões deprimidas e periféricas que desde os anos sessenta vêm perdendo gradualmente o seu melhor recurso, factor fundamental no processo de desenvolvimento de qualquer país – as pessoas. A história demonstrou que um país que não aproveita o seu melhor recurso, está condenado ao fracasso e os actuais indicadores demográficos e de actividade económica do Concelho confirmam-no. Estamos a assistir à agonia lenta e dolorosa das nossas aldeias que já foram alfobres de gente em que a terra era escassa e pródiga para alimentar tanta boca. Não sendo gente conformada, muitos partiram nos anos sessenta para reconstruir a Europa, desbravar África e criar os bairros dos grandes centros urbanos.

Abril de 74 e a adesão à Europa, abriram as consciências e, além da liberdade, integraram-se na sociedade outros bens fundamentais onde emergem os conceitos de equidade no acesso universal à saúde, à educação, ao saneamento, à energia, às tecnologias da informação e à habitação. Acontece que muitos dos serviços e infraestruturas criados, ou a criar, poderão transformar-se em elefantes brancos apenas e só porque os beneficiários directos, no médio-longo-pr
azo já cá não estão e nem estão a ser criadas condições para favorecer o retorno da segunda geração dos que partiram.

Desde o início dos anos 90 que em Aldeia de S. Sebastião (ASS) se teima contrariar este cenário deslizante e deprimente. Fazendo uma retrospectiva aos anos 90 e aos registos fotográficos do acto de lançamento da primeira pedra da ADCS – Associação Desportiva Cultural e Social de ASS, nenhum dos voluntariosos que então participou (muitos já partiram) ousou balancear a dimensão das realizações futuras. Á construção da sede social com funções polivalentes, seguiu-se o parque desportivo, a piscina, os bungalows e finalmente o Lar para a 3ª Idade. Se as realizações em si foram importantes, a avaliar pelos resultados directos e impacto nos beneficiários, um outro resultado muito mais importante é a criação de emprego perene, instrumento promotor de fixação de pessoas e acréscimos do rendimento disponível das famílias do concelho de Almeida. Hoje, ma
is do que nunca, o emprego é um bem inestimável para a população do concelho de Almeida.

Não foi um percurso fácil. A prevalência do conceito de bem-comum de uma centena de habitantes, ancorado em práticas e tradições comunitárias de partilha e entre-ajuda; O hábito de resolver os problemas pelos seus próprios meios – enfatiza-se o facto de uma boa parte das realizações e dos fundos terem sido conseguidos com base em trabalho e contribuições em espécie; A vontade de fazer mais e melhor, remando por vezes contra a letargia das instituições públicas; foram os vectores de força do projecto.


Se é justo referir que as realizações resultaram de múltiplas vontades de valor imensurável, onde se inscrevem as sucessivas direcções da ADCS e a população da Aldeia e do Concelho em geral, seria injusto não registar aqui os nomes dos que lideraram o processo, nas pessoas dos irmãos Joaquim e António Fernandes coadjuvados por uma equipa em sintonia com os princípios orientadores da ADCS. Uma boa parte do seu tempo e toda a sua energia e capacidades, têm sido dedicadas aos sucessivos projectos e actividades promovidas pela ADCS. As múltiplas e diversificadas contribuições encontram-se registadas nos suportes contabil
ísticos e na memória de todos os que vierem a beneficiar de todas as valências criadas.
A dimensão e diversidade do projecto, veio demonstrar que a sociedade civil, quando animada por princípios de solidariedade e partilha, pode fazer mais e melhor do que as instituições públicas. Em primeiro lugar conhece melhor os problemas e encontra sempre soluções mais adequadas para os resolver; Em segundo não é permeável às clivagens e alternâncias de poder da esfera politica; Em terceiro, move-a o interesse comum e não o exercício ou a conquista do poder.
É neste contexto que, naturalmente, foram atribuídos à ADCS a execução de importantes projectos onde emerge a gestão do RSI (Rendimento Social de Inserção) para os concelhos de Almeida e Pinhel, importante instrumento promotor da coesão social e que, apesar da polémica criada veio reafirmar e enfatizar o papel e as capacidades da sociedade civil; A realização de acções de formação c
omo é o caso dos cursos de geriatria e das tecnologias de informação; Os cursos temáticos e ocupacionais; O apoio logístico às actividades juvenis e à prática do ecoturismo direccionado principalmente para as aldeias históricas, parque do Côa e outros centros de interesse de carácter regional. Dispomos de alojamento e fornecimento de refeições para albergar grupos de 50 participantes que nos procuram regularmente.

Um projecto modesto e de âmbito local, foi-se transformando gradualmente num projecto integrado, mais completo, coerente e, acima de tudo, sustentável. Associado à prestação de serviços, sempre cada vez mais exigente em matéria de requisitos qualitativos, prosseguiu-se um objectivo fundamental: A criação de emprego permanente e sustentável. É porventura o resultado mais ambicioso deste projecto. A ASS ao tornar-se um empregador de referência do concelho de Almeida, cumpre uma função social fundamental na fixação de pessoas e na dinamização da base económica do Concelho.

Na construção deste projecto pluridisciplinar, com evidente complementaridade, para além dos apoios da população da Aldeia, é de enfatizar a participação em todos os projectos de um vasto leque da população do concelho, agentes económicos nacionais e estrangeiros só possíveis de mobilizar na base da evidência do trabalho feito e sobretudo na confirmação de que as infraestruturas e serviços disponibilizados correspondem às nec
essidades do Concelho.

No próximo dia 1 de Julho cumpre-se mais uma meta deste ambicioso projecto : A abertura do LAR para a 3ª Idade, com capacidade para aproximadamente 30 utentes, equipado em conformidade com os regulamentos nacionais e requisitos de conforto e segurança. Este dia constituirá um marco para a ASS e para o concelho de Almeida. É o corolário de um longo percurso feito com persistência, rigor, abnegação e sobressaltos onde, porque não dizê-lo, também não faltaram os presságios dos velhos do Restelo.

Finalmente .... CONSEGUIMOS!

Aqui fica um reconhecimento a todos os que colaboraram e incentivaram a equipa que liderou o projecto, obra alicerçada na dinâmica da sociedade civil em parceria com as entidades públicas que souberam interpretar e reconhecer a relevância e a viabilidade dos sucessivos projectos. A leitura do caminho percorrido e os resultados objectivos conseguidos, conjugados com a vontade de fazer mais e melhor, auspicia que ainda há outros caminhos a percorrer. Que a ALMA não nos esmoreça!


José Santos Fernandes – Natural de ASS e sócio da ADCS

2 comentários:

  1. Maria Clarinda Moreira24 de junho de 2009 às 23:51

    Em visita recente à Aldeia de S. Sebastião, tive oportunidade de ver os investimentos que ali têm sido feitos pela sociedade civil… quando, à partida, pareceria um lugar com todas as condições para a desistência de luta pela melhoria de condições de vida: poucos habitantes, população envelhecida, situada numa zona deprimida do interior, decerto a merecer pouca atenção dos circuitos políticos pela sua fraca representatividade demográfica e, pelo menos aparentemente, sem pontos de atracção assinaláveis a compensar todas as suas fragilidades.

    No entanto, vim de lá de tal forma impressionada, que decidi escrever um artigo para este Fórum sobre a extraordinária capacidade que esta aldeia nos demonstra de resistir à adversidade… e ainda sair vitoriosa! Ainda bem que o Sr. José Fernandes se antecipou, porque a minha visão seria forçosamente a de uma pessoa “de fora”, que apenas relata aquilo que vê, ao passo que um elemento da própria aldeia tem ainda a capacidade de contar como tudo aquilo é possível.

    Releia-se o seu testemunho: “Não foi um percurso fácil. A prevalência do conceito de bem-comum de uma centena de habitantes, ancorado em práticas e tradições comunitárias de partilha e entre-ajuda; O hábito de resolver os problemas pelos seus próprios meios – enfatiza-se o facto de uma boa parte das realizações e dos fundos terem sido conseguidos com base em trabalho e contribuições em espécie; A vontade de fazer mais e melhor, remando por vezes contra a letargia das instituições públicas; foram os vectores de força do projecto”.


    Acrescentando a isto o rigor e transparência das contas, até porque de outro modo a confiança depositada depressa de desapareceria… e aí temos um enorme caso de sucesso e motivo de encorajamento para todos aqueles que descrêem da iniciativa dos cidadãos e acreditam apenas que a solução… é permanecer à sombra das ajudas institucionais – que tanto podem vir como não. E quando vêm, lamentavelmente muitas vezes aparecem contaminadas de amarras de clientelismo, que tornam os seus promotores reféns das variações nas respectivas tutelas!

    Tenho pena que este artigo tenha tido uma sobreposição de outro ‘post’, pois justifica-se de todos os almeidenses uma leitura bem atenta. Espero e acredito que, apesar do interesse que o caso dos Poços e charcas desperta, seguindo o hábito que vem sendo manifesto de ver e reler o que está atrás, os almeidenses dispensem a atenção que este caso da Aldeia de S. Sebastião merece!

    Quem sabe, com esta lição de determinação, os almeidenses se animem de esperança nas suas próprias capacidades de alterar algumas das suas adversidades, unindo-se cada vez mais em torno de uma vontade comum de desenvolvimento, e que outros exemplos semelhantes possam acontecer em Almeida!

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  2. Foi com enorme emoção que li o que Zé Fernandes enviou para este blogue, descrevendo com objectividade a saga que foi para as gentes da Aldeia de S.Sebastião a acção extraordinária a que se propuseram; lutando contra adversidades, mas com empenho, sem se deixar vencer por desânimos para finalmente, e com satisfação, verem concretizado e reconhecido um projecto que ultrapassou as expectativas dos fundadores da ASRS e até dos mais optimistas.
    Toda essa gente que são os habitantes da tua terra, estão naturalmente orgulhosos, mas sei que não só pela obra feita, mas também pelo sentimento de verem em si realizada a máxima, “querer é poder”. E é essa sensação de alcançar uma meta cujo percurso foi pejado de escolhos de toda a espécie, que o sabor do resultado melhor é apreciado.

    Com teu irmão Joaquim, tive a oportunidade de visitar o Centro e in loco pude constatar a fantástica obra social e de lazer da população da Aldeia de S.Sebastião, e muito particularmente da direcção da Associação onde pontuam teus irmãos António e Joaquim. E ficámos agradavelmente surpreendidos como no “meio do nada” é possível criar infra-estruturas tão dinâmicas que ajudarão todos, quer sejam utentes, quer os que ali tiverem o seu emprego, numa lição exemplar do que pode a sociedade civil contra os muitos impedimentos, transtornos e burocracias oficiais.

    Sei que ao empreendimento está assegurado um feliz futuro, resta-me dar os parabéns a todos os que intervieram para pôr esta obra de pé.
    Para ti um abraço também de um almeidense que encontraste nos idos do R.I.12, na Guarda, e no longínquo Timor.
    Rui

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