Um dia depois da operação da mulher a um tumor que tinha
alojado no cérebro, Miguel Esteves Cardoso escreve na sua crónica do jornal
Público hoje um texto, que apelidou de “Carta a Deus”.
“Deus,
Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei
que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria
João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos
menos. Mas foi de mais.
De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que
te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste
assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te
escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor,
esqueceste-Te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os
seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de
feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que
só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um
Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário.
Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que
fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te
compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a
inteligência necessária.
Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara,
que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo. Ajuda a Maria
João, se puderes.
Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar.
Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão
grande".
Grande Miguel Esteves Cardoso! Quanto mais leio mais quero ler.
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