Contratos para cumprir e contratos para violar
«A questão que se
segue pode ter um tratamento jurídico, mas não é esse tratamento que me
interessa. Pode ter um tratamento de ciência política, mas não é esse
tratamento académico que me interessa. O único tratamento que me interessa é um
tratamento que se pode chamar “civilizacional”, cultural no sentido lato,
político no sentido restrito, de escolha, visto que prefiro viver numa
sociedade assente em contratos, confiança e boa-fé, do que numa selvajaria em
que impera a lei do mais forte.
...
A tempestade
originada pela decisão do Tribunal Constitucional equipara a “confiança” a um
“direito adquirido”, uma expressão que ganhou hoje, na linguagem do poder, a
forma de um qualquer vilipêndio. Segundo essa linguagem, repetida por muito
pensamento débil na comunicação social, os “direitos adquiridos” não são mais
do que privilégios inaceitáveis, que põem em causa a “equidade”.
...
Claro que os
“direitos adquiridos” são essencialmente do domínio do trabalho, dos direitos
do trabalho e dos trabalhadores, activos e na reforma, e não se aplicam a
outros “direitos” que esses são considerados intangíveis na sua essência. Por
exemplo, os contratos com as PPP e os swaps, ou a relação credor-devedor, são
tudo contratos que implicam a seu modo “direitos adquiridos”, mas que, pelos
vistos, não podem ser postos em causa.
O meu ponto neste
artigo é que o Governo e os seus propagandistas, ao porem em causa os “direitos
adquiridos” quando eles se referem a pensões, salários, direitos laborais e
emprego, estão também a deslegitimar os outros contratos e a semear a
“revolução”. Assim mesmo, a “revolução”, defendendo uma sociedade em que o
Estado e, mais importante, a lei ou a ausência de lei em nome da “emergência
financeira”, não assegura qualquer “princípio de confiança”, ou seja, os pactos
feitos na sociedade, pelo Estado, pelas empresas, pelas famílias, pelos
indivíduos. Esta lei da selva é, espantem-se ó defensores da ordem, outro nome
para a “revolução”, a substituição do Estado de direito e da lei pela força.
...
Ao porem em causa
o cumprimento dos contratos com os mais fracos, os que menos defesa têm (...)
por que razão é que os contratos das PPP são “blindados” (...) e não podem ser
pura e simplesmente expropriados, em nome da “emergência financeira”. (...)
Ou seja, por que
razão é que tenho que aceitar que o Governo me pode confiscar o meu salário e
despedir sem direitos, por livre arbítrio de um chefe de uma repartição, ou
diminuir drasticamente a minha pensão, agora que já não existo para o “mercado
de trabalho” e sou completamente dependente, ou condenar-me ao eufemismo do
“desemprego de longa duração”, ou seja tirar-me muito mais do que 60% ou 70% da
minha “propriedade”, que não são acções, nem terras, nem casas, nem depósitos
bancários, e quem tem tudo isso não pode ver a sua propriedade confiscada num
valor semelhante ao que eu perco? E aí, ironia das ironias, teríamos o Tribunal
Constitucional, com os aplausos do outro lado, a defender a propriedade e a
condenar o confisco, como deve fazer.
É por isso que
estes meninos estão a brincar com o fogo e depois gritam que se queimaram.»
José Pacheco Pereira,
Jornal Público – 09/09/2013...a minha pergunta: como é possivel que gente de bem...não sinta vergonha de se disponibilizar para servir o povo...com a sigla na lapela de uma "organização" que tanto mal está a fazer aos mais fracos, simples e humildes...como?...só pode originar tristeza na gente de bem…
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